segunda-feira, 1 de novembro de 2010

Outro dos meus contos malucos.

Já não aguentava mais. Já fumara quase uma carteira de cigarros vagabundos e Paul não conseguia aceitar o que estava ouvindo.

Ela era tudo pra ele, desde que a viu pela primeira vez, foi tomado por um sentimento estranho: erauma vontade de cuidar, de ter sempre perto. Nunca se importou com o que ela fizera antes de conhecê-lo, mas quando sabia, por ela ou por outros, era como se uma faca acertasse o seu peito e a sua racionalidade. Sentia-se perdido, e por alguns segundos não entendia quando o seu amigo, sentado ao seu lado no bar, pedia que lhe servisse mais um copo de cerveja.

Aquela cena voltou a sua mente. Ele não era seu primeiro amor, já havia se deitado com outros antes - se eram muitos ou poucos, ele nunca quis saber, talvez a dúvida seja um anestésico para sua mente tão ocupada com outras coisas -, já sofrera, já fora muito feliz, já amara. Ele também não era inexperiente, mas na hora isso não importava. Machista ou não, era assim que ele encarava os fatos.

Quando o álcool já havia subido à cabeça, ela não se importava mais de falar, não media as palavras. Paul fingia achar engraçado, mas algo de muito ruim crescia dentro dele, algo que umas saídas do bar com o pretexto de tomar um ar fresco não conseguiam suprimir. Era como se uma praga, um vírus sem cura se espalhasse pelo seu corpo, penetrando em suas veias, impregnando suas vísceras com um veneno mortal.

Cavalheiro à moda antiga, Paul não tentou pagar na mesma moeda, falando sobre seus relacionamentos anteriores - que ele sabia que eram capazes de machucá-la muito mais do que os ferimentos que as histórias dela eram capazes de provocar nele -, tampouco esboçou alguma reação ou falou alguma coisa. Ficou ali, estático, como se apenas seu corpo estivesse presente naquele local, como se o suor escorrendo pelo seu rosto fosse apenas o peso da bebida aliada ao calor que fazia naquela noite de primavera.

A hora que ele mais aguardava chegava perto. Pagou a conta, saiu com sua mulher em direção ao metrô. O adiantado da hora e o fato de ser um domingo deixaram a estação central vazia, ótimo para que Paul pudesse reorganizar suas idéias. Depois de 20 minutos, estavam finalmente em seu apartamento.

"Meu amor, vou me deitar, acho que estou um pouco embriagada" - disse-lhe, com a voz suave que lhe lembrara os momentos felizes vividos há dois anos atrás, quando se conheceram.

"Ok, pode ir", respondeu friamente "Não estou me sentindo bem, vou sentar aqui e ler alguma coisa, daqui a pouco vou me deitar".

Foi o que fez. Sentou em sua velha poltrona reclinável herdada dos pais, colocou seu disco da Janis Joplin no aparelho de som e pegou um livro qualquer na estante. Era Sidney Sheldon, um de seus escritores favoritos. Mas, por algum motivo, as palavras pareciam estar escritas em outra língua, e a musica não soava tão bonita como já soara outrora. Era o ódio pelo que passara naquela noite, era seu orgulho ferido falando cada vez mais alto. E foi a necessidade de agir que o impulsionou. Com um movimento brusco, levantou-se, jogou o livro em cima da poltrona, desligou o som. A passos leves, caminhou em direção ao quarto, ela estava seminua, os seios se revelavam timidamente pelo lençol transparente.

"Um anjo", pensou.

Sentou-se na cama, pegou seu travesseiro e colocou sobre o rosto de sua amada. Sua agonia em busca de ar purificava-lhe a alma.

Os movimentos dela foram cessando, até pararem completamente. Paul tirou o travesseiro, viu que ela agora estava com seus olhos abertos. Com a ponta dos dedos, como quem faz uma carícia em um bebê, ele os fechou, deitou-se ao lado dela, deu-lhe um abraço forte, e logo em seguida se levantou. Colocou sua melhor roupa, pegou o velho cinto e passou em torno de seu pescoço. Antes de aceitar seu derradeiro destino, rabiscou qualquer coisa em uma folha de caderno. Subiu em uma das velhas cadeiras que tinha, amarrou a outra ponta do cinto no lustre. Saltou.

Nada mais fora dito, nada além do papel caído sobre o corpo de sua amada:

"Sem mais dor, sem mais ciúmes, nem brigas, meu amor. Enfim sós"

2 comentários:

PluckTheDuck disse...

TENSO!

Luanna disse...

Uma coisa é certa, apesar da tragédia, essa é uma história que começou bonita.. "Ela era tudo pra ele, desde que a viu pela primeira vez" e terminou do mesmo jeito.. "Sem mais dor, sem mais ciúmes, nem brigas, meu amor. Enfim sós".

Também existe beleza na tragédia, sei que parece estranho falar isso, mas consigo perceber o belo mesmo quando escondido pelas ciscunstâncias ruins ou soterrado dentro de nós.

Por ela, ele era completamente apaixonado, amor ele só sentia pelo próprio ego...

Ninguém é perfeito até você se apaixonar e isso te faz idealizar o outro como um protótipo dos seus sonhos.

Ela não era perfeita e ele não suportou descobrir a verdade e por alguns intantes, esqueceu que ele também não era.

Ainda dizem que o amor é cego, nada é mais turvo que um olhar apaixonado. O amor tudo vê! Quem ama sabe exatamente o que o outro é, conhece principalmente seus defeitos e ainda assim, não desiste, continua amando.

E por isso, o amor é tão poderoso.

Lelinho.. Adorei seu conto!!! Mil beijos!!!